Não Grite!!!

Não Grite!!!

terça-feira, 3 de março de 2015

O AMULETO - PARTE II

CAOS

Pois um fogo foi aceso pela minha ira, fogo que queimará até as profundezas do Sheol. Ele devorará a terra e as suas colheitas e consumirá os alicerces dosmontes. 
Deuteronômio 32:22 
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Brasília queimava. Fogo e enxofre desciam do céu numa chuva apocalíptica. Gritos, choros, ranger de dentes… desespero.  As imagens de satélites estarreciam o mundo e o levava àquela cena chocante enquanto Brasília sucumbia ao caos.
Janice correu desesperada em meio campo destruído desviando-se das chamas e adentrou no prédio do Congresso Nacional enquanto a figura a perseguia cegamente soltando urros infernais e dizendo a mesma frase. Ela consegue chegar na cobertura e por breve momento observa com pavor a destruição que assola a capital brasileira, um patrimônio histórico da humanidade…
- É  tudo culpa minha… chora desolada a pobre moça, sentindo o vento quente que emergia do chão.
As faíscas dançavam ao vento circundando Janice, balançando seus cabelos negros, seu vestido de cetim branco. Um uivo dantesco tira Janice de seu devaneio. Não há pra onde fugir. Ele estava lá, à espreita novamente. Será que isso nunca iria acabar???
- Só existe um jeito de acabar com isso!!! – disse ela encarando com ódio o monstro. Você nunca vai conseguir o que quer, NUNCA!!!
Janice respirou fundo, aproximou-se da borda destruída da construção de Niemeyer, abriu os braços e se lançou do alto, de braços abertos e costas voltadas para o chão, para o seu descanso eterno. Durante a queda Janice abriu os olhos e vislumbrou novas bolas de fogo passando acima dos seus olhos, como estrelas cadentes, milhares delas… era tudo tão assustadoramente belo…
Quem estava no desespero, ainda pôde perceber o pequeno corpo branco que descia em direção a um lago em chamas.
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- Eu sabia que era uma péssima ideia você vir pra cá. E ainda acontece uma tragédia dessas! Pobre do seu pai.
Janice mal ouvia o que a mãe falava, estava perdida em seus devaneios, tentando assimilar tudo que aconteceu nos últimos dias: entrevistas, investigação, o FBI ainda não havia dado nenhuma resposta. Janice não contou toda a verdade, afinal eles não acreditariam mesmo. Ela só esperava que, seja o que fosse aquilo tivesse, ficado lá
A notícia sobre o que aconteceu em Stamford correu o mundo. Vídeos e mais vídeos do bizarro evento caíram na Internet. As igrejas aumentaram seu alarde sobre o fim dos tempos e o julgamento final.
- Janice eu estou falando com você!!! Reclamou Ester. Nós já estamos a duas horas nesse voo e você não disse uma palavra.
- O que você quer que eu diga Ester, mãe. Seja o que for não importa… não mais – disse Janice com voz amargurada.
- Isso tudo aconteceu porque você não me ouviu – disse Ester arrancando o fone do ouvido de Janice.
- Mãe, agora não é o momento… Alertou Janice.
- E quando vai ser, ãhn, Janice…??? Minha filha eu não te entendo… porque você não pode ser normal? Usar roupas normais, maquiagem normal, sair com as garotas, namorar, ir à igreja, como todo mundo…
- PORQUE EU NÃO SOU NORMAL MAMÃE!!!! Gritou Janice, que naquele momento não queria ouvir mais ladainhas da mãe.
O avião começou a tremer, fazendo os olhares curiosos serem desviados delas. Ester apertou as mãos nos braços da cadeira e começou uma prece. Janice colocou os fones enquanto a aeromoça pedia que todos apertassem o cinto pois estavam aterrissando em Brasília.

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Não me deixe papai… por favor…”, “Eu quero ir com você”, “AHHHHH!!! SOCORROOO!!!”, “Paaaii!!! Oh meu Deus!! Ahh meu Deus!!!”, “A culpa é sua Janice, se você não vivesse desta maneira talvez seu pai estivesse vivo e o diabo não estivesse atrás de você!!”
Janice desperta desolada do seu pesadelo, outro. Eram seis da manhã, o sol já despontava no horizonte de clima quente e seco de Brasília. O turbilhão de pensamentos invadia a cabeça de Janice… “culpada”, “inocente”…
De certa forma sentia-se diferente. O vazio instalado no peito a fazia sentir a água fria ser como um alívio para sua dor. Nesse dia ela não se maquiou, não usou roupas pretas, nem pulseiras…  Usou um vestido branco de cetim, uma sapatilha baixa, também branca, o cabelo em rabo de cavalo e seu amuleto pendurado no pescoço.
Passou pela sala em silêncio em direção à porta da rua. Ester surpreendeu-se com o modo de vestir da filha. Deu um sorriso de canto imaginando que agora Janice estava tomando jeito. Ela estava bonita, aparentando realmente a pessoa doce que era.
- Você não vai comer? Disse Ester fazendo Janice parar na saída.
Janice simplesmente ignorou a pergunta da mãe pois sabia que tinha que guardar força para o que estava por vir dali a alguns minutos.
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Janice pegou o ônibus de sempre, atravessou a área central do Plano Piloto (a Esplanada dos Ministério e tudo mais), a Ponte JK e mais adiante chegou à sua escola.
 Os olhares se voltaram para ela. Comentários e cochichos espalhados pelo pátio, pelo corredor, por onde passava. Mas Janice estava tão machucada, tão fria, que não se importou. Ao dobrar o corredor esbarrou numa pessoa, os livros que carregava foram ao chão e suas mãos tocaram na pele quente do jovem que se inclinou para ajudá-la.
Janice levantou a vista, meio envergonhada e agradeceu enquanto se levantavam.
- De nada – respondeu ele – Eu sou Alexander, Alexander Maalab, eu sou novo aqui. Disse estendendo a mão para ela.
- Janice – respondeu retribuindo o sinal.
Ela o observou por alguns segundos. Ele era lindo, seus olhos caramelos, seu nariz bem afilado, seu queixo quadrado com barba mal feita e a boca… nossa, a boca.
- Você poderia me informar pra onde fica a sala 102??? É que eu vou cursar o último ano aqui, meu pais se mudaram pra cá agora então…
- Eu estudo na 102 – sorriu timidamente Janice, achando engraçada a coincidência.
- Legal!!! respondeu ele com seu sorriso encantador – Você tem um sorriso lindo Janice.
Ela corou rapidamente e Alexander, percebendo o incômodo que causou, pigarreou e mudou de assunto.
- Bem… é…. Eu posso acompanhar você?
- Claro Alexander, aguarda só um pouco enquanto vou ao banheiro, tudo bem?
- Sim, mas pode me chamar de Alex, respondeu ele com outro sorriso amigável.
Janice soltou um sorriso bobo e saiu para o banheiro. Se olhou no espelho, lavou o rosto… pelo menos aquele momento ela estava um pouco mais aliviada por tudo que acontecera. Entrou no banheiro individual e ouviu quando a trupe das “paquitas” metidas a besta entrou no banheiro fofocando sobre outras meninas.
Janice gelou, se recompôs, olhou por uma brecha na porta e tentou sair de fininho enquanto estavam de costas. Em vão. Duas delas guardavam a entrada (é claro que guardavam). Trouxeram ela quase arrastada e, ao vê-la, Debbie, a líder, riu ironicamente. As outras seguiram o riso.
- Olha o que temos aqui… a vadia que perdeu o pai! Disse maldosamente.
- Me deixa em paz, Debbie. Por que…
- Shhh… shhh… shhh… – Debbie calou-a com o dedo indicador – eu não mandei você falar… Você agora está… diferente.  Tá querendo arrumar um namoradinho é coisa feia??
Debbie começara sua tortura emocional. A vontade de Janice era esfolá-la viva e dar sua carne aos urubus. Seu pensamento perverso foi desviado quando uma mancha negra apareceu no teto e começou a gotejar na pia. O coração de Janice acelerou ainda mais e ela segurou o amuleto instintivamente. Uma mão… aquela mão… saindo do teto… a cabeça seca saiu à altura dos olhos perversos. Ele a olhava. Janice fechou os olhos.
- O que foi vagabunda, eu não te bati ainda!!! – disse Debbie rindo – Uau! Que colar bonito…
- Não toque!!! gritou Janice num impulso jogando a mão de Debbie para o lado.
Um olhar de ira encheu os olhos da inimiga que arrancou o amuleto do pescoço de Janice dando-lhe uma joelhada no estômago em seguida.
- Isso é pra você aprender que ninguém brinca comigo. Você nunca vai se livrar de mim, sua vadia recatada.
Debbie cuspiu na cara de Janice que caiu de joelhos com dor. As lágrimas rolaram, embora todo o esforço para mantê-las dentro dos olhos. Debbie e sua turma saíram aos risos enquanto Janice se arrastou pra debaixo da pia e colocou o rosto entre os joelhos. Chorou por alguns minutos, lavou o rosto e saiu. 
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- Meninas, vamos tomar banho!!!
Debbie e suas amigas terminavam o treino. Seus corpos malhados e suados atraíam atenção dos rapazes da quadra. Elas saíram desfilando, poderosas, fazendo os olhares das outras meninas se afilarem de desprezo, eram as rainhas da escola. A piscadinha final de Debbie para Jeff Dantas, o atacante do time de futsal, significava um “te aguardo no chuveiro”.
Entraram no banheiro da quadra direto para o chuveiro, exceto Debbie, que ficou arrumando as coisas no armário. Ao ajeitar sua bolsa uma coisa caiu no chão. Era ele, o colar de Janice. Debbie o segurou apreciando-o por alguns minutos… aquela pedra azul parecia viva, aquele formato circular, aquela trava… aquela trava!!! Ela não conseguiu abrir, por mais que tentasse. As amigas terminaram o banho e chamaram o nome dela.
- Você nunca tomou banho, querida?!!!
- Oi??? Woow, pois é né, eu…
- A gente te espera no refeitório.
- Ok, gatas, estarei lá mais tarde – disse ela dando um tapa na bunda da amiga, que ainda estava nua, se vestindo na verdade.
Debbie colocou o colar e foi para o banho, ouvindo cada vez menos o barulho das vozes das amigas, que saíram falando sobre rapazes. Tirou sua roupa e colocou na parede de vidro que a protegia do olhar de quem passasse, mas que deixava ver o esboço da sua silhueta. Ligou o chuveiro, a água estava quente, do jeito que ela gostava.
Levou a mão aos cabelos, passando xampu, quando ouviu um estalo como se alguém tivesse entrado no banheiro. Desligou o chuveiro para ouvir melhor. O som vinha se aproximando… era um som diferente, som de ossos se quebrando.
O olhar de Debbie tornou-se apreensivo.
- Tem alguém aí???
Não ouviu nada. Os barulhos haviam cessado.
- Jeff ??? Disse pensando que era o atacante – Vem cá gatinho… a água está no ponto pra nós…
Nada…
Debbie ligou o chuveiro novamente e fechou os olhos enquanto passava sabonete no corpo macio, branco. Estava se acariciando, aproveitando o momento.
Uma mancha preta apareceu no teto e a mão do errante desceu lentamente… pegajosa. Ela foi se abrindo e tentou agarrar a cabeça de Debbie, sorte que ela se abaixou para pegar o sabonete que havia caído. Sentiu um arrepio na espinha, levantou-se e olhou pro teto.
Não havia nada… Lavou o sabonete do corpo de olhos fechados e ouviu o som de vozes cortadas, como grunhidos, quando os abriu deparou com uma silhueta magra, alta e disforme do outro lado do vidro. Gritou instintivamente e se jogou contra a parede. O vulto correu para o lado.
Assustada, Debbie enrolou-se na toalha e abriu a porta de vidro do banheiro de uma vez. Colocou a cabeça para fora e olhou de um lado para o outro… não havia ninguém.
- Jeff, se for você, pode parar, eu não gosto desse tipo de brincadeira!!! disse assustada.
- Otário – sussurrou saindo do banheiro e caminhando rapidamente para o outro lado do corredor.
O banheiro da quadra era grande, os corredores eram estruturados pelos armários dos alunos, estilo americano.  Debbie sentiu que alguém a observava, mas mesmo assim manteve a aparente calma, sacudiu o cabelo loiro à altura dos ombros e continuou caminhando.
Um cheiro de enxofre invadiu o ar. Debbie se cheirou pra ver se ela fedia. “Mas é claro que não!!”, pensou.
- Devolvaaaa…
Um sussurro ameaçador veio do nada fazendo Debbie gelar. Ela olhou em volta e não havia nada. O som de vozes atormentadas invadiu o ambiente, fazendo Debbie tremer as pernas.
- De-volvaaa… devolllvaaaa!!! Devolva!!!!
As vozes foram aumentando  e rodando em volta de Debbie,  que não acreditava que estava acontecendo. Os olhos dela se arregalaram enquanto os sons do inferno aumentava ao seu ouvido. Ela parou perto do seu armário foi se agachando devagar e colocou as mãos para tapar os ouvidos, estava doendo, sons de gritos, correntes, invadiram o corredor, desespero, ânsia, medo… um turbilhão de sentimentos ruins tomaram conta da garota, mas de repente!!!! Silêncio novamente.
Debbie se levantou devagar, tirou as mãos das orelhas…estavam sujas de sangue. De repente todas as portas dos armários se abriram violentamente, fazendo Debbie pular e gritar de susto.
- AHHHHH!!! Meu deus!!! – Começou a chorar e soluçar enquanto um líquido quente e amarelo jorrava de suas entranhas. Tamanha era a tensão que Debbie se urinou.
As luzes começaram a piscar… tudo estava acontecendo tão rápido que a garota não raciocinava direito. Ela olhou em direção aos chuveiros e viu escorrer em sua direção um líquido escuro, em grande quantidade. Debbie tomou coragem e correu para o seu armário em busca de suas roupas, não ficaria ali nem mais um minuto.
Abriu o armário e grande foi o pavor que sentiu quando viu dois grandes olhos cor de prata brilharem no escuro para ela. Sem ter tempo para nada, sentiu sua cabeça ser agarrada por mãos frias e pegajosas e ser sugada para dentro do armário.
Ela gritava por socorro mas ninguém ouvia. Seu corpo se debatia do lado de fora de forma desesperadora. Suas mãos se firmaram nas bordas do armário fazendo força para se libertar. E conseguiu, mesmo sabendo que havia acontecido algo terrível.
Debbie caiu no chão e sentiu o sangue escorrer. Seu lábio inferior fora arrancado. Seus dentes e queixo estavam expostos.
- Ohh Deus!!! Ohh meu Deus!!! gritava histericamente apavorada.
Um barulho veio do seu armário e de lá, daquele cubículo de apenas 60 cm de altura, saíram braços secos e compridos e pernas magras seguidos por uma cabeça demoníaca que urrava pavorosamente. Aqueles olhos… aquilo viera matá-la. A toalha caiu no chão. Agora, despida, Debbie correu para a porta de saída desesperada…. Tentou abri-la, mas estava trancada.
Ela chutou a porta na esperança de conseguir sair, mas foi surpreendida quando sentiu o hálito fétido do monstro na sua nuca. As mãos gélidas escorreram por suas nádegas e em seguida na barriga, onde foram cravadas fazendo Debbie sentir a maior dor de sua vida, em seguida sendo arremessada   violentamente contra os armários, caindo e deslizando pelo líquido escuro.
Seu sangue juntou-se à água de odor fétido que escorria pela ala. Debbie, completamente atormentada pela situação gritava e chorava pedindo ajuda. Olhou para seu predador que estava de cócoras com as mãos junto aos pés, como um sapo, em cima do banco de descanso.
- Devolva!!! – disse a voz macabra, entortando a cabeça para o lado.
As luzes explodiram e um fio soltou ameaçando eletrocutar Debbie. Num último esforço, e entendendo o que o demônio queria que ela fizesse, saiu em disparada rumo à porta e a empurrou com força, dessa vez não apresentando resistência.
Debbie saiu correndo pelos corredores do colégio, ensanguentada e suja pelo líquido que não se sabe de onde veio. Sob os olhos assustados de todos, que por causa do impacto ficaram aflitos e sem ação, a garota não dizia nada, apenas corria, chorando.
Ela avistou Janice conversando com  Alex dou outro lado da pista, no parque. Desceu as escadas da escola, desesperada. O diretor apareceu na porta gritando que ela parasse, mas ela não podia, ela tinha que fazer aquilo.
- Janiiiiicee!!!! Veio gritando ela com sua voz sem firmeza. Sua aparência era apavorantemente triste.
Correu para o centro da rua e jogou o amuleto que carregava para Janice, que mesmo tendo agarrado foi ao encontro de Debbie para ajudá-la.
- Você está amaldiçoada… – disse a garota aos prantos.
- JANICE CUIDADO!!! – Gritou Alex.
Num piscar de olhos um ônibus atropelou Debbie arrastando vários metros à frente. Por milímetros não atinge Janice. A pancada foi tão forte que o sangue salpicou na cara de Janice e Alex.
De olhos arregalados, Janice não conseguia acreditar no que acontecera e saiu correndo ao encontro de Debbie. A situação era apavorante: Debbie estava dilacerada. O impacto foi tão grande que arrancou quase toda a pele do rosto da bela líder de torcida.
Ela estava macabramente retorcida, sua coluna estava quebrada, a palma de seus pés tocava a parte de trás do pescoço, os ossos do braço havia saído para fora e o olho direito se segurava à pele apenas por um fino nervo, sua mandíbula estava largada no asfalto.
- Oh Deus!!! Oh Deus!! Apavorou-se Janice.
- Minha Nossa!!!! Exclamou Alex, assustado.
- A culpa é minha, sussurrou Janice.
- O que disse? Perguntou Alex enquanto uma multidão se aglomerava ao local.
Flashes de celulares e câmeras começaram a brilhar. Os professores fizeram uma corrente para evitar tumulto enquanto a polícia chegava. Alguns vomitavam ao ver a cena.
Alex acalentou Janice em seus braços enquanto ela chorava baixinho. Ela apertava o colar em suas mãos quando…
- Então é isso…
- Isso o quê Janice.
Mas é claro que era isso. O colar, era o colar. A vida ruim de Janice só piorara depois que a cigana lhe dera o colar. Um olhar desesperado cresceu em Janice que olhou Alex espantada.
- Janice, o que houve???
Janice saiu em disparada, correndo o mais rápido que pôde, o máximo que pôde…

>>><<< 
Quando deu por si estava chegando à Ponte JK, onde parou ofegante, pensativa, ainda não acreditando que tudo estivesse acontecendo de novo… Segurou o amuleto e o jogou o mais longe que pôde dentro do Lago Paranoá.
- Eu não aguento mais isso… – lacrimava a jovem.
- Janice!!! gritou Alex chegando junto a ela. Estava cansado, suado.
- Por favor Alex, vai embora.
- Eu não posso… eu…
- Você não entende Alex, nunca vai entender.
- Ponha a mão no pescoço – ordenou ele.
- O quê??? – respondeu ela entender, mas obedecendo.
E ele estava lá, o colar. Belo como sempre.
Assustada, Janice se perguntou como aquilo podia acontecer.
- Eu entendo. Disse ele olhando nos olhos dela, como se quisesse confortá-la –  Eu não esperava que fosse acontecer tão rápido Janice…
- Alex eu… eu não estou entendendo…
- Você está correndo perigo… a humanidade está à beira do apocalipse e você é a chave, Janice, você!!! – disse o jovem com olhos tristes.
Janice montou o quebra-cabeças. A lenda…
- Ele está vindo te buscar – falou Alex friamente. Ele quer você, você foi a escolhida pelo demônio, o amuleto escolheu você Janice. Eu posso te ajudar, ou pelo menos posso tentar.
O coração de Janice acelerou mais ainda.
- Abra o amuleto – ordenou novamente.
- Mas eu…
- Vamos Janice, eu preciso ler o que está dentro. Eu tenho que proteger você!!! falou nervosamente, como se o tempo se extinguisse.
Janice estava tão atormentada que não quis mais fazer perguntas. Alex parecia saber de tudo e estava disposto a ajudar. Ela abriu o colar, e ele leu as inscrições estranhas.
_
הטוהר של חושך
שהאנושות לשעבד
ודם ואש יהיה לזייף
הממלכה של כאב עכשיו מתחילה
Um estrondo gigantesco rasgou o céu quando Alex pronunciou estas palavras. A terra tremeu as nuvens começaram a escurecer rapidamente, os alarmes dos carros que estavam atravessando a ponte dispararam, os sinais de trânsito ficaram loucos. Janice olhou para Alex em pânico. As pessoas começaram a sair confusas e com as mãos nos ouvidos.
- O que isso quer dizer??? – alarmou-se Janice.
- ” A pureza das trevas trará
Aquele que a humanidade escravizará
E com sangue e fogo irá forjar
O reino de dor que agora começará.”
Ah não!!!
- Ele está vindo Janice… – sussurrou Alex.
Por sobre a cabeça de Alex passou uma gigantesca bola de fogo caindo do céu. Assustadas as pessoas começaram a gritar. Alex e Janice estavam gelados de medo enquanto  a pedra de fogo explodia em milhares de meteoritos menores que desceram rapidamente em direção ao solo.
O pânico tomou conta da população. Pessoas começaram a correr por sobre a ponte enquanto a chuva de fogo caía no chão. Alguns tentavam dirigir os carros, mas como outras pessoas começaram a correr tornava-se impossível.
Janice e Alex correram em direção a parte central da esplanada dos ministérios. Mas ainda estavam um pouco longe, a ponte era enorme. Um das rochas em chamas acertou a parte de trás da ponte que estremeceu e rangeu dantescamente. Janice voltou os olhos e viu os carros e os corpos subindo pelos ares. Pessoas desesperadas em meio ao fogo, pulando de cima da ponte.
Parecia que o fogo tinha vontade própria pois veio queimando rapidamente os arcos da ponte tornando-a um cenário de puro pavor.
_Corra Janice!!! Corra!! Não pare!!! Não pare!!! Gritava Alex, desesperado.
Janice obedeceu e conseguiram sair da ponte antes que o ferro derretesse e soltasse os cabos, fazendo a ponte desabar nas águas do Lago Paranoá, levando consigo centenas de pessoas em chamas e outras que ficaram presas nos carros. Ao ver a cena catastrófica Janice não conteve as lágrimas… soluçava olhando a terrível cena.
Continuaram correndo se desviando das bolas de fogo que estavam arrasando a capital. Janice viu quando uma delas acertou o monumento a JK, despedaçando-o. Viu a estátua da Justiça ter a cabeça arrancada, os prédios da esplanada do eixo Monumental desabando em meio ao impacto com as rochas de fogo e enxofre. A Catedral, símbolo da religiosidade, tornara-se uma imensa tocha de fogo, os anjos de Ceschiatti soltaram dos cabos e despedaçaram-se ao chão, matando dezenas.
O lago em frente ao congresso nacional pegou fogo. Ministros, deputados, senadores correndo desesperados rumo à saída e muitos caíram dentro do lago em chamas, outros estavam sem uma parte do corpo, um verdadeiro holocausto. De repente a chuva infernal cessou.
- Vamos Janice!!! Não podemos parar!!!
Eles continuaram sua corrida pela vida. A Avenida L2 Sul estava um caos. As chamas se alastravam como uma praga. Carros destruídos, pessoas jogadas nas ruas totalmente machucadas, pedindo ajuda, mas as pessoas queriam salvar suas vidas primeiro. O gramado em frente ao congresso nacional estava coberto de sangue, pessoas dilaceradas, com as vísceras expostas enquanto outras em desespero passavam por cima.
- Fique aqui Janice, eu vou buscar o meu carro pra gente dar o fora daqui o mais rápido possível – disse Alex, que estava ferido no braço, suado, cansado…
- Eu quero ir com você!
- JANICE!!! Olha em volta, vai ser mais perigoso se você for, algum maluco pode te empurrar nas chamas, isso está um caos. Aqui agora está mais tranquilo. Confie em mim!!
- Tá – disse ela às lágrimas, tremendo. Cuidado!!!
Ele a segurou pelo pescoço com um olhar doce e beijou profundamente. Mesmo em meio à destruição Janice sentiu algo que nunca havia sentido antes. Um formigamento subiu pela sua pele e seu instinto foi retribuir o beijo, abraçando pelo pescoço. Alex saiu em disparada para o meio das pessoas que ainda corriam e gritavam desesperadas.
Por ironia do destino, um carro próximo a Janice teve o som ligado e a música “In the End” da banda Linkin Park espalhou-se pelo ambiente. Janice observava a catastrófica cena que via : A capital brasileira, patrimônio da humanidade, destruída de todas as formas possíveis. Um dor gigantesca tomou conta do ser de Janice que mais uma vez mergulhou em pranto.
Era dor, era ódio, não sabia. Olhou o amuleto e o colocou em cima da calçada onde estava, nas mediações do Congresso Nacional, pegou um pedaço de concreto solto do asfalto destruído e começou a golpear o colar. As lágrimas misturavam-se aos soluços ao ver que nada acontecia.
- Meu Deus!!! Meu Deus!!!  Porque eu ??? Por quêêêêê!!!! gritou dando um último golpe no colar.
O chão estremeceu fortemente fazendo as janelas dos prédios ao redor, as que sobraram, explodirem. Todo o barulho cessou. As luzes de toda cidade se apagaram, carros, celulares, o som das ambulâncias… tudo parou. As milhares de pessoas desorientadas que esperavam por ajuda e as que tentava sair daquele lugar ficaram estarrecidas e apreensivas. Ainda havia acabado???
Janice percebeu que o amuleto era o responsável. Gritos vieram do meio da multidão. De repente milhares começaram a correr desesperadamente, derrubando Janice no chão. Ela não estava sabendo o que estava acontecendo mas conseguiu pegar o colar. Uma jovem caiu bem próxima a Janice e foi pisoteada. Uma senhora pisou na sua cabeça com uma sandália de salto fino que entrou diretamente no ouvido dela.
Janice levantou-se rapidamente com o amuleto na mão e desesperou-se ainda mais ao ver o motivo da correria: um avião enorme estava caindo em direção a eles. Janice correu no amontado de humanos à frente. Um som ensurdecedor aplacou-lhe os ouvidos e, ao olhar pra trás, vislumbrou o impacto do avião no solo.
Ele se aproximava a grande velocidade e arrastava tudo  à sua frente. Pessoas eram sugadas e trituradas pelas turbinas. Sucessivas explosões faziam partes do avião irem pelos ares e caírem em cima das pessoas. Uma delas atingiu um casal que estava do lado de Janice, que percebeu que estava correndo mais devagar, como se estivesse…
Não!!! Uma das turbinas estava sugando as pessoas… Janice!!! O avião destruído parou mas  a sucção estava muito forte. Janice conseguiu se segurar num poste, junto com o casal do seu lado. A moça estava escorregando. Os corpos levitando pela ação do vento numa dança mortal.
- Não me solta, amor… não me soltaa!!! Gritava ela aos prantos.
Em vão. A sucção a puxou violentamente fazendo chover um pouco do seu sangue. Um barra de ferro acertou o poste ao qual Janice se segurava fazendo soltar faíscas. Ele também foi sugado e fez com que a turbina explodisse, lançando os corpos de Janice e do rapaz caírem a metros de distância.
Em meio as chamas do boeing, ela vislumbrou o corpo retorcido sair em direção a ela. O errante agora estava mais assustador, os olhos pratas tornaram-se vermelho fogo. A figura mais apavorante que se pode ver. No trajeto ele pisoteava ainda mais os corpos dos pobres mortos e apontava sua mão para Janice.
- Eu vim te buscar Aurora!!! Urrava.
Ela olhou em volta e tudo estava em chamas, toda a faixa Monumental de Brasília sucumbia ao caos, à dor, ao fogo… era o fim.
Janice correu desesperada em meio campo destruído desviando-se das chamas e adentrou no prédio do congresso nacional enquanto a figura a perseguia cegamente soltando urros infernais e dizendo a mesma frase. Ela conseguiu chegar na cobertura e por breve momento observou com pavor a destruição que assolara a capital brasileira, um patrimônio histórico da humanidade…
- É  tudo culpa minha… chora desolada a pobre moça, sentindo o vento quente que emergia do chão.
As faíscas dançavam ao vento circundando Janice, balançando seus cabelos negros, seu vestido branco. Um uivo dantesco tira Janice de seu devaneio. “Não há pra onde fugir”. Ele estava lá, à espreita novamente. Será que isso nunca iria acabar???
- Só existe um jeito de acabar com isso!!! – disse ela encarando com ódio o monstro. Você nunca vai conseguir o que quer, NUNCA!!!
Janice respirou fundo, aproximou-se da borda destruída da construção de Niemeyer, abriu os braços e se lançou do alto, de braços abertos e costas voltadas para o chão, para o seu descanso eterno. Durante a queda Janice abriu os olhos e vislumbrou novas bolas de fogo passando acima dos seus olhos, como estrelas cadentes, milhares delas… era tudo tão assustadoramente belo…
Quem estava no desespero, ainda pôde perceber o pequeno corpo branco que descia em direção a um lago em chamas.
O monstro se retorceu e das suas costas saíram asas como de morcego. Janice não podia acreditar naquilo. O Errante voou velozmente e a segurou a apenas alguns segundos do impacto carregando-a consigo.
Era o fim para ela de qualquer maneira. Mas como que por milagre, um arpão atingiu violentamente o pescoço da besta, fazendo-os cair no gramado ensanguentado. Era Alex que com máximo esforço tentava segurar o monstro que se debatia com gritos cortados pelo arpão.
Alex amarrou a corda num poste próximo e foi se aproximando do demônio. Janice abriu os olhos, ainda tonta pelo impacto e pôde ouvir Alex dizer palavras em hebraico que fizeram o Errante se contorcer como se sentisse uma dor descomunal. E de repente o ser macabro soltou um grito estridente e desapareceu numa sombra.
Um trovão cortou o céu e uma tórrida chuva caiu sobre a capital, afagando um pouco a desolação instalada. Alex abraçou Janice e a beijou profundamente.
- Nós precisamos ir até a minha mãe. Ele sabe como acabar com tudo isso Janice.
- Oh… – soluçava ela em seu peito – Ajude-me… aju… por favor…
- Vamos agora!!!
- Sim… mas primeiro tenho que encontrar minha mãe.
- Sim, vamos…
Entraram no carro de Alex e saíram rumo a casa de Janice, desviando dos destroços. A cena desoladora apertou ainda mais o coração da pobre garota. Prédios destruídos, pessoas queimadas, vivas e mortas, crianças chorando ao lado dos pais, um cenário triste. 
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Eles chegaram à casa destruída de Janice, gritaram por Ester mas ela não estava lá. Às lágrimas Janice sacudiu a cabeça em negativa.
- Temos que ir, meu amor. Quanto mais cedo terminarmos com isso melhor. E o Errante virá novamente. Eu não posso matá-lo, não aqui.
Janice deixou novamente sua vida em Brasília… ou o que restou dela e seguiu viagem com Alex até uma fazenda nos arredores. De lá, saíram em um jatinho.
- Pra onde estamos indo??? – Perguntou Janice.
- Stamford. Disse isso, nada mais.
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Pousaram numa fazenda nos arredores de Stamford. Estava frio, muito frio. A neve começava a cair tingindo o chão de um branco puro. Alex enrolou Janice em seu casaco e adentraram a casa de madeira rústica à frente.
Alex entrou falando com a mãe.
- Mama, eu consegui trazê-la com vida.
Uma senhora abriu a porta e Janice arregalou os olhos: a mãe de Alex era a cigana que havia dado o colar para ela.
- Hum… disse ela. Mais uma descendente de Aurora.
- O quê??? Retrucou Janice, confusa.
E do lado de dentro, com um sorriso forçado, aparece Ester.
- Oi, querida!!!
FIM DA SEGUNDA PARTE.

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